ALLAMANO:
TESTEMUNHA DE “CONSOLAÇÃO” VIVIDA E COMUNICADA
Allamano viveu e transmitiu a experiência da “consolação”, entendida como união com Deus e salvação, a partir de sua especial comunhão com Maria, invocada sob o título de Consolata. Tornou-se testemunha autêntica dessa experiência; e o que ele transmitiu em relação à “consolação”, traz o selo de garantia de sua vida santa.
1. ALLAMANO “CONSOLADO” E “CONSOLADOR”
Nossa Senhora, antes de ser Consoladora, foi a Dolorosa; portanto, ela mesma teve necessidade de ser “consolada”. Significa que, depois de experimentar o sofrimento da morte do Filho, a experiência da ressurreição de Jesus foi para ela a consolação decisiva, consolação que autenticou nela, por assim dizer, o papel que desempenha na Igreja: ser “consoladora” dos discípulos de seu Filho e de toda a família humana.
Analogamente, podemos afirmar que Allamano foi um homem realmente “consolado”, querendo entender com isso que ele foi capaz de viver uma forte experiência de Deus, através de Maria.
Ouvindo-o falar, mas especialmente observando sua maneira de viver, nota-se nele uma espécie de “plenitude interior”, de “alegria espiritual”, não tanto pelas magníficas obras que realizou, mas pelo que sentia no seu íntimo, por aquilo que era. Reconhecia com realismo que Deus havia abençoado, acima de qualquer cálculo humano, as iniciativas às quais lançara mão; por outro lado, reconhecia também que durante sua vida sempre dissera “sim” a Deus, através da obediência aos seus superiores (cf. Lett., IX/2, 653-654). Neste sentido, Allamano era, de verdade, um homem “consolado”.
Estando pessoalmente sintonizado com Deus, infundia nos outros coragem e serenidade. Também disso se deu conta; ou, falando com mais clareza, ele o quis. Tratando, por exemplo, do tema da vida de família, eis como se expressou: Minha experiência de vida comunitária, que vivi durante toda a minha vida, quero aplicá-la a este Instituto. Vós prestai atenção às minhas ordens, às minhas exortações e também aos meus desejos, que bem conheceis (Conf. IMC, I, 15). Quantas vezes disse: Fazei como eu... Experimentai também vós...
Pensemos também em suas numerosas insistências para que nunca se mudasse o fim missionário do Instituto e para que vivêssemos com coerência o seu espírito, que era exatamente um espírito de “consolação”! Neste sentido, Allamano foi um “consolador” eficaz, uma “testemunha” confiável e segura de “consolação”.
Podemos perguntar-nos: Por que, para nós, o espírito do nosso Pai Fundador é um ponto de referência tão seguro, que não gostaríamos de trocá-lo com nenhum outro? Só porque o
estimamos como homem sábio, preparado, prudente e generoso? Ou porque confiamos em sua riqueza espiritual, como homem de Deus? Aqui está exatamente a sua riqueza interior, que faz dele uma “testemunha” autêntica de evangelização.
Se Allamano não fosse santo, não teria demonstrado interesse tão vivo e apaixonado pela evangelização universal, nem se tornara pai de missionários. Neste sentido, creio que podemos dizer que ele foi realmente “consolado”, isto é, possuidor de uma riqueza interior que o levou à santidade; e também “consolador”, ou seja, apóstolo dinâmico, não só no âmbito da sua Igreja de Turim, mas também fora dela, além-fronteiras.
Esta preciosa identidade do nosso Pai Allamano contém uma límpida tonalidade mariana. Não resta dúvida, a experiência mariana foi um fator decisivo para sua vida pessoal e sua atividade apostólica. E sua experiência mariana não foi simplesmente genérica, mas assumiu a conotação específica do mistério da “consolação-salvação”. Que vultosa riqueza espiritual não terá armazenado em sua vida durante os longos anos transcorridos aos pés da Consolata! Não conhecemos os sentimentos nem os pensamentos que povoavam seu coração e sua mente quando, daquele pequeno coro, onde costumava recolher-se para rezar, contemplava o quadro da Virgem, porque não nos foram confiados, mas podemos legitimamente imaginá-los ao ler sua vida. Temos a certeza de que o Instituto foi como que concebido exatamente a partir daquele pequeno coro, durante as prolongadas horas de adoração, diante do sacrário, enquanto o seu olhar podia contemplar o rosto delicado da Consolata. Nós já estávamos em seu coração, antes mesmo que ele organizasse o Instituto, e conosco estavam também muitos homens e mulheres que ele não conhecia, mas que respeitava, porque tinham o direito de conhecer o Pai revelado por Jesus.
2. RELACIONAMENTO PESSOAL DO ALLAMANO COM A CONSOLATA
Mais do que falar de “relacionamento”, poderíamos dizer “entendimento” vital. É realmente extraordinária e de uma simplicidade desarmante a coragem que Allamano demonstra ao falar do seu relacionamento com a Consolata! Ele não duvida inclusive em afirmar que a Consolata é “sua”, como se pode constatar destas palavras dirigidas às Irmãs: Vede, devemos querer bem a Nosso Senhor. Devemos realizar o maior bem que for possível. Seria suficiente que eu me deixasse ficar despreocupado, como Reitor da Consolata, entretanto... Hoje ainda não vi Nossa Senhora Consolata; esta manhã, quando saí, a igreja ainda estava fechada; e esta tarde, quando voltar, já estará fechada... E eu só vi Nossa Senhora da Catedral, porque celebrei a Missa cantada, mas... não é a “minha” Nossa Senhora... (Conf. MC, II, 556-557). Em outro lugar dirá depois: Embora seja sempre a mesma Nossa Senhora! (Conf. IMC, II, 465).
Sentimentos simples, mas muito belos, sobretudo verdadeiro sinal de algo precioso que ele guardava no coração. Observando com atenção, percebe-se que Allamano tem uma profun-
da e comovente delicadeza com a Consolata. Delicadeza, sim, porém não feita apenas de sentimentalismo, mas dinâmica, que impele a trabalhar em favor dos irmãos.
Entretanto, o que mais nos toca é ouvir Allamano defenir-se “tesoureiro” e “secretário” da Consolata, demonstrando com isso ter atingido o auge do seu entendimento com Maria, inclusive sob o ponto de vista operativo. Tem plena convicção de estar trabalhando junto com a Consolata. Certo dia, numa palestra às Irmãs, ao comentar as Constituições, explica o nome do Instituto, dizendo: Antes de tudo, eu é que tenho o direito de dar ao Instituto este nome, porque eu é que tenho o poder lá na Consolata; eu é que sou o secretário, o tesoureiro... Quando se fala de Nossa Senhora, vós deveis saber que sempre se entende a Consolata (Conf MC, III, 17).
Em outra ocasião, durante a novena da Consolata, dirigindo-se novamente às Irmãs, Allamano pedia que se rezasse à Consolata por duas intenções: primeiramente para que a Santa Sé aprovasse o milagre em favor da beatificação do Cafasso. Eis suas palavras, que mais se parecem com um desabafo: Pedi a Nossa Senhora que nos faça este presente. Contudo, se ela não no-lo conceder, não perderemos a paz por isso. Substancialmente é isto: aqui (no santuário) eu sou o tesoureiro, o secretário; e, como tal, deveria ter o direito de pretender as graças principais, no entanto... Todos me dizem: Eu recebi esta graça... Eu recebi esta outra... E eu? Eu sempre registro tudo... Mas rezai, para que o Senhor faça a sua santa vontade... Vede, afinal de contas, o mais importante é isso! (Conf. MC, III, 436).
Por fim, Allamano revela ter feito este pacto com Nossa Senhora: Todas as orações que hoje os Missionários e as Missionárias fizerem pela (beatificação) do Padre Cafasso, acolhei-as em favor deles mesmos, e tornai-os santos depressa, a começar pelos últimos que entraram. Eu creio que Nossa Senhora fez isso, porque eu sou o seu secretário, o seu tesoureiro... e tenho o direito de ser atendido por primeiro (Lett., X, 51, n. 3).
Se quisermos ainda admirar outra delicadeza do nosso Pai, ouçamo-lo quando usa o adjetivo “querida”, ou então o possessivo “nossa” ao referir-se à Consolata. Ele termina com freqüência suas cartas aos missionários e missionárias, recordando a Consolata, usando expressões que revelam sua delicadeza e seu profundo entendimento com Maria: O Senhor vos abençoe, como eu peço por todos vós aos pés da querida Consolata... (Lett., II, 617). Peço à querida Consolata que te faça sarar bem depressa... (Lett., VII, 511). Abençôo-te aos pés da nossa querida Consolata... (Lett., IX/2, 715). Nunca me esqueço de ti aos pés da querida Consolata... (Lett., X, 156).
Quem ou o quê infunde no Allamano esta certeza, senão o íntimo relacionamento de fé e de amor para com Maria e, através dela, com Nosso Senhor? Este seu entendimento é garantia e modelo para nós. O Fundador não se limita a dizer que a Consolata é “sua”, mas declara com igual segurança que é também “nossa”.
3. OS MISSIONÁRIOS “CONSOLADOS” E “CONSOLADORES”
Considerado sob este ângulo, nosso Pai torna-se para nós modelo de como podemos interpretar e viver a espiritualidade missionária da consolação, não só em favor do nosso crescimento espiritual interior, mas também para saber transmiti-la aos outros em nosso apos-
tolado missionário. Podemos dizer que o Fundador nos comunicou a própria experiência, desejando que também nós fôssemos, a seu exemplo, “consolados” e “consoladores”.
Não podemos esquecer que o lema dado ao Instituto e impresso no cabeçalho do primeiro Regulamento de 1901 era tirado de Isaías (66,19): Et annuntiabunt gloriam meam gentibus (Anunciarão a minha glória às nações). Na intenção do Fundador, esta “glória” a ser anunciada era a de Deus e consistia principalmente na salvação de todos os seres humanos, visto que “o homem salvo é a glória de Deus” – como afirma Santo Irineu. O Fundador expressava este relacionamento entre Nossa Senhora e os seus missionários, dizendo: A Consolata é delicada e quer que seus filhos também o sejam! Conf. IMC, III, 577).
Allamano deu também para nós prova de coragem, ensinando-nos a manifestar o nosso relacionamento com a Consolata, utilizando expressões inesquecíveis como estas: Quantos vêm rezar e saem daqui levando graças e milagres! E nós, que somos seus filhos de predileção?! Trazemos o título de “Consolata” como nome e sobrenome. Maria, sob o título de “Consolata” é nossa Mãe toda especial (Conf. IMC, I, 568). Somos filhos de predileção da Consolata, não só da boca para fora, mas de fato... A Santíssima Virgem, sob o belo título de Consolata, não é porventura nossa Mãe, e nós não somos seus filhos? Sim, nossa Mãe terníssima, que nos ama como a pupila dos seus olhos, que ideou o nosso Instituto e o sustentou durante todos estes anos, material e espiritualmente, tanto aqui na Casa Mãe como na África, e continua sempre atenta e solícita em atender às nossas necessidades, podendo eu, por isso, dormir tranqüilamente! (Conf. IMC, II, 308). Para vós, quando se fala de Nossa Senhora, sempre se entende a Consolata (Conf. MC, III, 17). Ofender-vos-ia se vos dissesse que deveis fazer fervorosamente a novena da Consolata; o coração mesmo é que vos deve ensinar... Nós somos “consolatinos”, filhos prediletos da Consolata (Conf. IMC, II, 602). Estas expressões de Allamano não são somente bonitas, mas também vinculantes.
Seguindo as pegadas do nosso Pai, devemos ser missionários da consolação, demonstrando-o através da prioridade das nossas escolhas apostólicas, que devem ser escolhas de fronteira, isto é, corajosas, em favor dos últimos. Eis aqui onde deve apoiar-se a nossa generosidade na aceitação dos duros trabalhos provenientes das escolhas incômodas, como também o dinamismo apostólico com que devemos enfrentar as situações novas e difíceis, procurando resolvê-las positivamente, sem deixar-nos amarrar por saudosismos! O espírito de consolação nos leva também a enfrentar as situações novas que influenciam nosso trabalho de evangelização (sem saudades de um sistema passado), como: a globalização, as migrações selvagens, o relacionamento inter-religioso, etc. A “consolação” não é estática, mas se renova e se atualiza constantemente.
Demonstramos exteriormente nossa identidade de apóstolos da consolação através de um particular “espírito e estilo de consolação” a ser manifestado no relacionamento com a comunidade eclesial e com os não cristãos. Eis porque o Missionário da Consolata deve “estar no meio do povo”, de preferência com o povo mais afastado, com os últimos.
4. CONCLUSÃO
Qual a conclusão destas palavras? Pelo que nos diz respeito, como pessoas, podemos expressar nossa conclusão utilizando as palavras mesmas que o Fundador dirigiu às Irmãs, mas que, seguramente, valem também para nós: O nome que trazeis vos deve levar a vos tornardes o que deveis ser (Conf. MC, III, 275). A espiritualidade da “consolação” é caminho seguro para a nossa vida e nosso apostolado. O Santo Padre João Paulo II, na mensagem que enviou por ocasião do centenário do Instituto, também nos lembra isto: “Não poderia concluir estas minhas exortações sem focalizar este fato: a vossa identidade de missionários e de religiosos se reveste de uma profunda conotação mariana. O Instituto, de fato, surgiu à sombra do célebre santuário da Consolata, coração espiritual da Turim cristã. O próprio Allamano teve ocasião de afirmar, mais vezes, que o título de “Fundador” era reservado a Nossa Senhora: A verdadeira Fundadora do Instituto é a Consolata – gostava de repetir. Caríssimos irmãos, com o auxílio da Consolata difundi a verdadeira “consolação”, isto é, a salvação, que é Jesus Cristo, Salvador do homem” (n. 5).
Nestas palavras do Papa, como não sentir a mesma vibração que brota das palavras do Fundador: Primeiro santos, depois missionários?!
5. PERGUNTAS PARA A REFLEXÃO
a) Nós, como indivíduos e como comunidade, sabemos confrontar-nos com o pensamento do Fundador antes de tomar decisões?
b) Em que medida a presença da Consolata incide sobre o nosso estilo de vida e de apostolado?
c) Onde é que as pessoas percebem que nós e as nossas comunidades somos “consolados”, ou seja, vivemos o espírito positivo transmitido por Allamano?
Pe. Francisco Pavese, IMC